Morro Santa Teresa – Porto Alegre

Movimento em Defesa do Morro Santa Teresa


Lideranças do Morro Santa Tereza rebatem rótulo de local dominado pela violência

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

O Morro Santa Tereza | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Jaqueline Silveira

Lideranças comunitárias do Movimento em Defesa do Morro Santa Tereza concederam, na tarde desta sexta-feira (25), uma entrevista para mostrar que o local é habitado por trabalhadores e que não é dominado pela violência. A coletiva foi uma reposta à reportagem publicada no jornal Zero Hora no último domingo (20) que, segundo os moradores, rotulou o morro como um lugar dominado pelas drogas, o medo e a criminalidade. No início do mês de setembro, a polícia matou o jovem Ronaldo de Lima, 18 anos, desencadeando revolta dos moradores que queimaram ônibus.

“Eu moro lá há 52 e nunca fui assaltado ou roubado”, afirmou o presidente da Associação dos Moradores da Vila Padre Cacique, Júlio Pacheco, que leu o manifesto em repúdio ao tratamento dado pelo veículo à comunidade. São quatro vilas que integram o Morro Santa Tereza: além da Padre Cacique, União Santa Tereza, Gaúcha e Ecológica. Todas estão situadas numa área que pertence à Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase). “Esse tipo de comunicação reforça e estimula violência pelo Estado”, dizia um trecho do manifesto, sobre a reportagem.

25/09/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Movimento em Defesa do Morro Santa Teresa realiza coletiva na Camara Municipal de Vereadores. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Júlio Pacheco lê o manifesto dos moradores Foto: Guilherme Santos/Sul21

Na coletiva, os representantes do morro voltaram a reclamar da atuação da Brigada Militar, que estaria revistando sem motivos moradores que saem para trabalhar. Líderes comunitários afirmaram que episódios envolvendo a violência que ocorrem no morro são protagonizados por pessoas que vêm de outros bairros e, portanto, não pertencem à comunidade. “Esse movimento quer mostrar que o morro é muito mais que episódios de violência”, destacou a vereadora Sofia Cavedon (PT), que coordenou a coletiva. As lideranças também garantiram que nos últimos quatro anos não aumentou a população das quatro vilas, pois há um controle. O Movimento em Defesa do Morro Santa Tereza se formou com o objetivo de lutar pela regularização fundiária da área, a preservação ambiental e a reestruturação e ampliação das instalações da Fase.

As lideranças receberam o apoio de entidades e órgãos, como o Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (Senge-RS). Representante do Senge, Vinicius Galeazzi reclamou que a reportagem denegriu as comunidades e prejudicou o trabalho que está sendo construído no local, que “não é fácil”. “Uma bomba poderosa de efeito moral caiu sobre o Morro Santa Tereza e colocou por terra a autoestima da população. A indignação é muito grande”, observou Galeazzi. Sobre tráfico de drogas na localidade, ele afirmou que há em todo o lugar, inclusive há ponto de venda próximo de sua residência no Bairro Três Figueiras, região nobre da Capital. “Não é o Morro Santa Tereza que tem de ser demonizado”, completou o representante da Vila Padre Cacique, Júlio Pacheco.

25/09/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Movimento em Defesa do Morro Santa Teresa realiza coletiva na Camara Municipal de Vereadores. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Darci dos Santos, presidente da associação de moradores da Vila Gaúcha | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Presidente da Associação de Moradores da Vila Gaúcha, Darci dos Santos afirmou que o tráfico de drogas é um problema que tem de ser resolvido pela Brigada Militar. “O que o Estado não está fazendo, eu estou fazendo, eu luto contra a violência, contra o roubo. Existem pessoas trabalhadoras lá”, defendeu o líder comunitário, que mora na Gaúcha há 34 anos. Outra liderança da comunidade, Orlei Maria, disse que o problema da falta de segurança “é generalizado”. “Eu sou conselheira do OP (Orçamento Participativo) e volto 10 ou 11 horas da noite e nunca aconteceu nada. Eu não sou uma indigente, não sou uma pobre coitada”, rebateu ela, que é presidente da Associação de Moradores da Vila União Santa Tereza.

Vilas do Morro Santa Tereza

Gaúcha – 600 famílias

União Santa Tereza – 245 famílias

Ecológica – 400 famílias

Padre Cacique – 46 famílias


O MORRO SANTA TERESA NÃO É SÓ CRIMES, DROGAS E ROUBOS

Por Vinicius Galeazzi – Eng. civil

É lamentável a forma destrutiva como a reportagem de capa da ZH, de domingo, tratou o Morro Santa Teresa de Porto Alegre. Generalizou e reduziu tudo a crimes, drogas, roubos. Morro do medo. Quem lê a matéria não tira outra conclusão. E vivem pessoas lá, pessoas de bem. Suas vidas, seus trabalhos e seus imóveis foram desvalorizados, destruídos. A que propósito serviu essa pauta do jornal, dessa forma tratada e tão destacada?

É inadmissível que tenham ignorado pessoas e instituições que, há anos, trabalham para reverter esse estado de coisas, minorar as mazelas, estancar as ocupações clandestinas, melhorar a autoestima, recuperar o meio ambiente, enfim, valorizar um dos lugares públicos mais lindos de Porto Alegre.

O Movimento em Defesa do Morro Santa Teresa que, desde abril de 2010, reúne as associações dos moradores e mais 43 entidades, entre elas SENGE, IAB, Ajuris, trabalha junto ao Estado e ao Município, com a finalidade de apoiar e promover ações para valorizar e recuperar o morro. Mais de 50 reuniões, e ainda caminhadas de reconhecimento, audiências e campanhas definiram o caminho legal para efetivar a resiliência dessa zona importante de Porto Alegre. Nesse tempo, estancaram as ocupações clandestinas, as quatro vilas no terreno da FASE estão congeladas. O direito adquirido de moradia de quem já estava lá foi reconhecido por decreto. Em julho de 2012, o Decreto 49.256 criou um Grupo de Trabalho, visando promover estudos e ações para recuperar e preservar o meio ambiente, efetivar a regularização fundiária e urbanística das vilas, evitar novas ocupações e qualificar e ampliar a estrutura física da FASE. É preciso levar à frente o projeto ambiental-habitacional que conviva harmonicamente com as instituições da FASE, proprietária do imóvel. O Movimento fez campanha e conseguiu a aprovação da Lei Complementar 07/2013 que gravou o Morro Santa Teresa como Área Especial de Interesse Ambiental, em três níveis: de interesse social, de interesse ambiental e cultural, em função dos dois prédios históricos (1845 e 1922), lá existentes. Hoje, a Diretoria de Habitação da SOP do Governo do Estado atua, de forma prioritária, no projeto de regularização das vilas e no atendimento das necessidades emergenciais, com acompanhamento deste Movimento.

Em 2010, o Governo do Estado ofereceu o morro à venda, por 94 milhões, e não por 160 milhões, como diz a matéria da ZH. Foi então que o SENGE-RS interveio, na campanha que os moradores e outras entidades efetivaram contra a venda, oferecendo análise daquele valor ínfimo e mostrando como aaquele negócio seria prejudicial para o Estado.

Nem tudo é crime, nem tudo é roubo, nem tudo é venda de droga naquele morro. Quando ZH traz de volta o termo degradante e preconceituoso Buraco Quente para a população da Vila Gaúcha, e imprime isso num mapa, faz um desserviço, sem medidas, contra o trabalho de autoestima que estamos tentando levar àquela gente que, como eu e tu, querem viver melhor e merecem respeito. Merecem, pelo menos, um pedido de desculpas de ZH.